1. A hora da verdade

Tudo parecia estar bem, novamente. Combinamos
pegar um cinema. Minha mãe não gosta que eu saia à
noite, mas com o Nel, ela permitia. Entretanto, no dia
seguinte, ele avisou:

- Minha mãe acha que não devo sair de noite.

Estranhei. Sempre tinha toda liberdade! Comentei
com minha mãe. Ela aproveitou a deixa:

- Você devia seguir o exemplo do seu amigo, que sabe
respeitar a opinião da mãe. Você nunca faz o que eu digo.

Retruquei:

- Mãe, deixa pra me criticar outra hora? Estou preocupada.
Nunca vi o Nel tão parado.

- Pois então ele está criando juízo. Coisa que você 
não criou ainda.

Nem respondi! Que injustiça! O maior problema da
minha mãe é que ela quer me ver num curso de secretariado.
Não tenho a menor vontade. Não é por mal, só não
tenho vontade de ser secretária. Quer que eu encontre
uma profissão segura, desde cedo. Vive dizendo:

- Hoje em dia as mulheres têm que trabalhar.

Sempre cita como exemplo minha tia Nena, que, quando
se separou, foi obrigada a trabalhar como vendedora
de porta em porta.

2. A hora da verdade

- Nel! Que bom! - gritei ao vê-lo na porta do colégio.

Ele mesmo. Mais gordinho. Recuperado. Tão diferente
daquela figura na cama! Observando bem, dava para notar
um certo ar de fadiga. Nada que não fosse normal em
alguém convalescendo. Nem consegui conversar como queria.
Outros amigos nos rodearam. Nel era realmente popular.
Todos queriam saber o que acontecera. Descobri que,
como eu, outros amigos haviam telefonado. Tudo parecia
maravilhosamente bem. Marcelo chegou. Ficou um pouco
longe de todos. Tímido, como sempre. Nel chamou:

- Grande Marcelo!

Observei. Marcelo estava muito retraído. Nem sabia
se comportar diante daquele grupo. Era um contraste. Nel
radiante. Marcelo, sem jeito. Tinha me aproximado    
bastante dele, nos últimos dias. Sabia ser amigo, era legal.
Mas perto de Nel parecia uma figura pálida. Sem força.
Todo animado, Nel contava uma história engraçadíssima
sobre uma enfermeira. Tão confusa que, muitas vezes, o
paciente era obrigado a ensinar o que devia fazer.

- Era do tipo que troca bebê em maternidade.

De repente, alguém quis saber.

- Afinal, o que você teve?

Foi impressão minha? Ou aconteceu realmente? Nel
hesitou. Foi só um instante. Mas notei. Em seguida, sorriu:

- Gripe. Uma gripe forte, que virou pneumonia.

A turma comentou. Ultimamente, os casos de 
pneumonia tinham explodido na cidade. Talvez fosse a poluição.
Ou problema do clima. Veio o sinal. Fomos para a
classe. Nel estava preocupado com o que havia perdido.
No final das aulas, combinamos que eu passaria as matérias 
e trabalhos. Perguntei como ficariam as faltas. Tem
muita gente que perde o ano por excesso de faltas! Nel
revelou:

- O professor Ismael está falando com a direção para
me ajudar!

13. Amigo, nome e apelido

Achei o comentário meio bobo, mas concordei.
Chegou o fim de semana. Não pude cumprir a promessa.
Meus pais foram convidados para viajar para a praia, no
apartamento de um amigo. Eu, é lógico, tive de ir junto.
Francamente, não me divirto nem um pouco nesse tipo de 
viagem. Fomos em duas famílias. O cara, dono do apartamento,
tem três filhos. Todos pequenos. O apartamento fica perto da
praia. Mas é minúsculo. Tive que ficar com as crianças na
sala. O que significa que era a primeira a acordar e a última a 
dormir. Diversão? Nem um pouco! Em fim de semana na
praia, as mulheres acabam trabalhando como loucas!
Cozinhando, cuidando das crianças e lavando a louça, enquanto
meu pai, o dono do lugar e uma poção de amigos ficavam
bebendo cerveja e falando de política. O pior é que me
tratavam como se eu fosse um fenômeno da natureza.

- Como ela cresceu! - comentava um conhecido.

- Já está ficando uma moça! - continuava outra pessoa.

É horrível esse tipo de comentário. Já me considero adulta,
e aposto que sei muitas coisas que eles nem imaginam. Mas
adianta o que acho de mim mesma? Estou naquela idade em
que sou tratada como mulher para algumas coisas e como
criança para outras. Por exemplo: se quero sair na rua de
shorts, me proibem. Dizem que já estou crescida, não devo
exibir pernas desse jeito. (Embora seja justamente isso que
quero: exibir minhas pernas, que são longas e bonitas). Se
começo a conversar com algum garotão na praia, só para
fazer amizade, e peço para ir tomar sorvete com ele, é
um desespero. Minha mãe diz que sou muito nova. É o caos.
Torço para que os anos passem depressa. Para ser considerada
adulta de uma vez. Ter mais liberdade. Às vezes acho que
isso jamais vai acontecer. Volta e meia, mamãe diz:

- Para mim, você será sempre minha garotinha.

Pode?
Enfim, fui viajar para a praia. Mesmo me remoendo
por dentro. Para piorar, choveu. Passamos o fim de semana
trancados no apartamento com as crianças berrando.
Meu humor ficou péssimo. Nem lembrei muito do Nel. A
maior parte do tempo, estava preocupada sem ser gentil e
educada, embora minha vontade fosse sair correndo aos
gritos daquele apartamento.
Segunda-feira, quando voltei às aulas, tive uma surpresa.
Uma excelente surpresa!

12. Amigo, nome e apelido

Na saída, suspiramos aliviados.

- Afinal, não era nada - comentou Marcelo.

Concordei.

- Ainda bem. O Nel é o caçula. A dona Mariana e a
dona Berta sempre aprontaram um barulhão com cada
doencinha que ele teve.

Mas quando cheguei em casa, refleti. Alguma coisa estava
esquisita. Nem consegui assistir a novela. Fui para o meu quarto.
Pensei. "Se não tem problema nenhum, por que a dona Mariana
não estava trabalhando, em pleno dia da semana?"
Fechei os olhos. Vi novamente o rosto magro. Os olhos
fundos. Parecia ouvir a tosse novamente. Sim, havia alguma
coisa errada. Muito errada!
Em seguida, mudei de opinião. Talvez estivesse exagerando!
Vou dizer a verdade. Dizem que as avestruzes enterram
a cabeça na areia, diante de algum perigo. Nunca vi uma
avestruz, não sei se é assim. Mas a gente é. Tenta fugir da
realidade. Quanto mais eu pensava, menos queria ver. Talvez
ele nem estivesse tão magro, fosse só impressão! Dali a pouco
estava me convencendo de que a tosse não era tão forte.
Para completar, no dia seguinte, Marcelo também
estava otimista. Rimos de nossos temores.

- Quisemos bancar os espiões! - ele comentou. -
Mas não tinha nada para espionar.

11. Amigo, nome e apelido

Imediatamente, dona Mariana entrou no quarto. Sorria,
como se estivesse no melhor dos mundos. Mas era um 
sorriso forçado. Dava para perceber que estava tentando
parecer alegre.

- O Nel teve uma gripe forte, que virou pneumonia.
Com os antibióticos, perdeu o apetite. Ficou mal do 
estômago. Acabou perdendo uns quilinhos.

Se não tentasse fingir que estava tudo tão bem, teria
me enganado. Mas como podia estar sorrindo se o Nel
parecia um papel!? Marcelo tentou botar panos quentes.

- Ele nunca foi gordo - comentou.

Olhei pra ele, profundamente.

- Você está bem, Nel? Diz, está mesmo legal? 

Então ele sorriu. Garantiu que sim.

- Já estou bem melhor. O médico disse que na semana
que vem posso voltar pra escola.

Falou e tossiu. Percebi que estava no fim da pneumonia.
Melhor não forçar conversa. Dona Mariana me chamou
para ajudar a servir café com bolo. Fomos para a cozinha.
Dona Berta estava começando o jantar. Falamos sobre
receitas. Dona Berta sabe fazer uns bolos bem antigos, cuja
massa tem até uma dúzia de gemas. Hoje em dia não se
fazem essas receitas. Mas tenho curiosidade em experimentar
algum dia. Levamos o café e o bolo. Marcelo comeu
bem uns três pedaços. Nel mal colocou na boca. Começou
a escurecer. Eu e Marcelo nos despedimos. Dei um beijo
estalado no Nel. Prometi voltar no fim de semana.

10. Amigo, nome e apelido

Apertamos a campainha duas vezes. Finalmente, dona
Mariana apareceu. Espantou-se:

- Raquel. você aqui?

Tentei falar normalmente. Sabia que estava forçando
a situação. Era até falta de educação, pois por telefone, ela
havia dispensado as visitas. Mas eu fui em frente:

- Eu e o Marcelo viemos ver o Nel. É só uma visitinha.

Percebi sua hesitação. Quase disse alguma coisa, mas 
as palavras não saíram da boca. Ficou parada na porta um
tempão. Acho que teria fechado a porta na minha cara. Mas
um vulto surgiu atrás dela. Vi uma fina silhueta escondida
pela escuridão do interior da sala. A voz disse, do fundo:

- Quem é? 

Apesar de estar um tanto rouca, era a voz do Nel!
Mas... como estava magro!
Nem esperei a resposta de dona Mariana. Preguei um
sorriso no rosto. Fui entrando, com a maior cara-de-pau.
Nel estava de pé no fundo da sala. De pijama. Magro, tão
magro! Era chocante, ver como tinha emagrecido!
Mais tímido, Marcelo ficou na porta. Corri até Nel e o
abracei.

- Que bom que você veio! - ele disse. 

Abraçados, andamos até seu quarto. Ele deitou. Marcelo 
tomou coragem. Entrou na casa. Parou no umbral do quarto.
Só então, passado o primeiro instante de emoção, observei o
rosto de Nel. Encovado. Expressão de absoluto cansaço. Gelei.
Sim, havia alguma coisa muito errada. Era ele, mas...não
parecia! Seus traços estavam quase desaparecidos de tanta 
magreza! Peguei sua mãe. Apertei forte. Perguntei:

- Diz! O que você tem!? 


9. Amigo, nome e apelido

 Eu mesma não entendia porque tanto desejo de ser
independente! Hoje, eu sei qual o seu segredo. Mas isso é
outra história. Não vou falar dele agora, para não me confundir.
Na hora certa, eu conto. Quando falar de tudo que foi
acontecendo, os fatos virão por si mesmo. O que quero dizer
agora é que Marcelo tinha o hábito de ver tudo através do
seu próprio ponto de vista. Para ele, era lógico que o Nel
fugisse para morar sozinho. Mas era exatamente o oposto.

- O Nel sempre foi superligado na mãe - comentei.
- Nunca disse que queria sair de casa.

Que fazer? Eu andava cada vez mais nervosa. Nem
conseguia prestar atenção nas aulas. Marcelo propôs:

- Hoje, depois das aulas, vamos até a casa dele.
Vamos e pronto!

De repente, tudo estava claro. Era a melhor solução!
Exatamente o que eu deveria ter feito desde que ele saiu 
do hospital. Batido na porta. Tive uma sensação de alívio.
Finalmente, ia descobrir tudo!
Não era tão longe da escola. Pegamos um ônibus e
fomos conversando. Na verdade, o Marcelo era um sujeito
isolado. Assim como não era muito meu amigo, também
não era do Nel. Percebi que estava sendo simplesmente...
legal! Indo junto para não me deixar sozinha nessa história.
Senti até um calorzinho no peito. Fomos conversando. Quando
chegamos à casa do Nel, estava tranquila. Devia ser tudo
uma bobagem. Talvez até exagero da minha parte.
Não estava nem um pouco preparada para o que ia
enfrentar.

8. Amigo, nome e apelido

Os dias foram passando e Nel não voltava para a 
escola. Eu e o Marcelo, que nunca fomos muito amigos,
passamos a conversar mais. Muitas vezes, a gente ficava
todo o intervalo tentando descobrir a verdade dos fatos.
Formulamos hipóteses. Mas é claro, por pior que fossem,
a gente estava muito longe de descobrir a verdade. Fomos 
procurar o professor Ismael. O Nel e o professor tinham
uma certa amizade, gostavam de bater papo. Ele sorriu.
Disse que já andava preocupado com o sumiço. Tinha
procurado saber notícias.

- Foi só estafa. Ele andou estudando muito porque
quer tentar uma bolsa de estudos.

Marcelo abriu  a boca. Pronto para perguntar se era
gripe, pneumonia ou estafa. Cada um dava uma versão!
Sorri como se estivesse tudo esclarecido. Agradeci. Puxei
o Marcelo pela mão. Foi engraçado. Quando toquei seus 
dedos, ele puxou o braço. Surpreso, como se eu tivesse 
tido um gesto extravagante. Andamos até a esquina.

- Por que você não me deixou perguntar - ele 
reclamou.

- O professor Ismael também está escondendo alguma
coisa - respondi.

Expliquei meu raciocínio:

- Se foi só estafa, por que não podemos visitar? Além 
do mais, ele não ia sumir completamente, só porque está
estudando.

- Será que não fugiu de casa? - refletiu Marcelo.

Era uma possibilidade. Mas quem tinha vontade de 
morar sozinho era o Marcelo, não o Nel. Todo mundo
sabia disso. Sempre dizia:

- Mal posso esperar para estar trabalhando e ter minha vida.

7. Amigo, nome e apelido

Posso ter pouca experiência. Boba não sou. Tive
certeza de que estava acontecendo alguma coisa horrível. Bem
pior do que ela estava querendo me contar.

- Por favor, me diz o nome do hospital! - insisti.

Ela continuou falando que não era necessário. Explicando
que estava tudo bem, e eu não precisava visitar. Percebi
que estava sendo enrolada. A língua dela parecia uma enorme
toalha me envolvendo, me confundindo. Quis argumentar.
Ela não deixou. Falava, falava, falava, sem me dar chance
de responder. Os créditos do cartão foram acabando. A ligação
caiu. Por um instante, fiquei paralisada. Olhei para o 
Marcelo. Só tinha uma certeza: era alguma coisa grave.
Dias depois, o Marcelo descobriu que Nel tinha voltado 
para casa. Tentamos telefonar. Atendeu a mãe, a dona 
Mariana. Foi muito, muito simpática. Mas parecia determinada
a impedir que a gente fizesse uma visita. Insisti,
várias vezes. Teimei.

- O Nel está muito cansado. Tem que repousar. Não
pode se cansa com visitas - ela repetia, a cada um dos
meu argumentos.

Era óbvio: nenhuma visita seria bem-vinda. A gente
nem passaria da porta.

6. Amigo, nome e apelido

Esperei o dia seguinte. Torci para que Nel aparecesse
na aula. Mas não. Era o quinto dia de falta! Na escola, há
um telefone público. O Marcelo tinha um cartão. Ligamos.
Foi ela mesma quem atendeu. Suzana, a irmã. Perguntei o 
que ele tinha. Ela fez voz de surpresa.

- Quem disse que o Nel está doente? 

Falei da ida de Marcelo à casa dele. Da conversa com 
a avó, dona Berta. A irmã ficou em silêncio. Demorou
tanto e eu disse:

- Alô, alô!

Certa de que a ligação tinha caído! Mas não. Ela estava
lá, do outro lado. Absolutamente quieta. Quando 
finalmente falou, sua voz parecia esquisita. De repente, estava
tentando ser muito simpática. Só que era uma simpatia
esquisita, porque falava depressa, com um tom de voz
metálico, como se a garganta estivesse rangendo.

- Foi só uma gripe forte. Nada sério.

Estava preparada para ouvir falar de apendicite. De
alguma coisa assim. Mas gripe?

- Ninguém vai pro hospital por causa de gripe! 

Ou será que ia? Fiquei em dúvida. Ela silenciou 
novamente. Depois de um instante, voltou a falar depressa.

- É que ele pegou friagem. A gripe virou pneumonia.
Já está passando. Não é nada.

Pedi o nome do hospital. Queria tanto fazer uma visita.
Quem sabe levar um pedaço de bolo, feito por mim 
mesma! Estava disposta a passar o resto do dia no fogão,
para fazer um bem gostoso! Mas nesse instante, tudo ficou
ainda mais esquisito. Suzana demorou ainda mais para
 responder. Finalmente, explicou:

- Ele não pode receber visitas.

- Por que, se não é nada sério? 

5. Amigo, nome e apelido

Isso sim, era ainda mais estranho! Eu conhecia a avó,
dona Berta. Era esperta. Como não ia saber o nome? E a mãe
do Nel, dona Mariana? Claro que teria deixado um endereço,
um telefone. Francamente, tudo parecia cada vez mais estranho.
Alguma coisa não combinava. Muitas vezes, tive essa
sensação. É como se uma espécie de fumaça flutuasse dentro 
da gente. O peito fica apertado. Tento entender, mas não
consigo, porque é impossível pegar a fumaça na mão. Olhar.
Descobrir. Fica somente a inquietação. Foi meu primeiro 
sentimento. Eu sabia que alguma coisa estava errada.
Eu e Marcelo conversamos mais um pouco.

- Quem sabe dona Berta confundiu o nome do 
hospital, e não soube dizer.

Não concordei.

- Se tivesse confundido, teria dito um nome errado.
Talvez até parecido com algum que conhecemos.

Lembrei. Nel tinha uma irmã casada. Uma vez, ele
tinha me dado o telefone dela. Quando cheguei no meu
apartamento, procurei. Tenho mania de anotar telefones
nas capas dos cadernos. Depois, misturo todos. Fica uma
confusão! Mas sim... eu lembrava. Tinha anotado o telefone
dela antes das férias de julho. Quando liguei para pegar
a receita de um bolo de fubá para a quermesse. Então
não estava em um caderno comum. Mas em outro, que eu
uso só para marcar receitas. Um dia ainda serei uma grande
cozinheira, mas isso é outra história! Finalmente, achei, 
bem no meio da pilha.

4. Amigo, nome e apelido

Comecei a ficar preocupada quando ele faltou no quarto
dia. Conversei com o Marcelo, que morava perto da 
casa dele. Os dois sempre vinham juntos para a escola.
Também não sabia de nada. Até brincou.

- O Nel já está numa legal, foi bem o ano todo. Pode 
se dar ao luxo de faltar.

Não concordei. Faltar por faltar? Não combinava com
o Nel. Ele queria rachar direto até a época da faculdade.
Queria entrar em Medicina. Justamente, um dos cursos
com mais candidatos. Combinamos que Marcelo passaria
na casa dele. Saber notícias.
No dia seguinte, chegou com a novidade:

- O Nel está doente.

- Doente, como?

 - Não sei. Falei com a avó dele, que está passando
uns dias com a família. Parece que foi parar no hospital.

Hospital é o tipo de palavra que deixa a gente assustada.
Seria uma operação? Meu amigo no hospital. E eu
sem visitar, nem nada? Mais esquisito ainda, Marcelo não
tinha descoberto o nome do hospital.

- A avó dele disse que não sabia qual era.


3. Amigo, nome e apelido

Há pouco tempo, meus pais realizaram seu grande 
sonho: comprar um apartamento. Quer dizer, fizeram a dívida.
Depois de anos de economia, conseguiram dar a entrada
neste pequeno apartamento onde moramos. O resto está sendo
pago em prestações, e, às vezes, atravessamos o mês na
corda bamba! Só para dar uma idéia, estamos até sem telefone,
para economizar na conta. Mas também é a primeira vez que
tenho um quarto só para mim. Armário embutido para
minhas roupas. Escrivaninha para fazer as lições. Onde morávamos
antes, era bem mais apertado. A única mesa disponível
no quarto e sala ficava na cozinha. Bem... nem era bem uma
cozinha. Parecia um corredor, com o fogão e a pia de um
lado, e a mesinha de fórmica do outro. Muitas vezes era
obrigada a estudar com a mamãe fritando peixe.
Agora, sou obrigada a pegar duas conduções para
chegar na escola. Meus pais até pensaram em me transferir
de colégio. Não quis. Gosto da turma. E também da
escola. Entrar em faculdade hoje em dia não é fácil.
Principalmente as públicas. Acho bom continuar perto dos
professores em que confio.
Puxa, eu escrevo, escrevo e pareço estar dando voltas
co,o um redemoinho. Só falei do apartamento para explicar
que morava longe de Nel. Quando ele faltou três dias
seguidos na aula, não fui correndo saber o que acontecia.
Como disse, estamos sem telefone. o único aparelho público
perto do meu prédio vive quebrado. Há uma turma de 
vândalos no meu bairro que tem prazer em destruir os aparelhos.
Arrancar os fios. Não sei o que passa na cabeça
dessa gente. Cada vez são consertados, duram uma 
semana. Alguém quebra de novo. Dá até raiva. Acho uma
bobagem, para que destruir um telefone? Só prejudica gente
como eu, que precisa ligar para alguém e não tem onde.